28 de dez. de 2011

Lá fora, muros mais maduros que a maturação colorida das romãs. A aparência inerte das coisas não tinha dureza. Passos atrás de mim, a irmã cantando um pedaço de canção perdida. Pássaros tecendo a voz do dia; eram asas ou o seu bater? diziam adeus? sabiam? não sei...
É tão agridoce a receita deste dia...

19 de dez. de 2011

Iniciei um gesto íntimo. Passeando as mãos no tapete figurei a silhueta de um corpo inexistente. Por instantes vastos, lembrei a particularidade ímpar do primeiro toque; a gravidade de seu corpo pretérito ainda me enchia de pesar; memórias inventadas, como sempre são. Depois ainda, lamentei  tudo ter acabado antes das primeiras chuvas; por ter chovido tanto, enquanto fora de mim, verão; e do gosto solitário do café quem teimei em tomar misturado à lágrimas, orgulhos. Respiro. E por mais saber que lembrar é mais uma forma de respirar, que de propriamente viver, interrompi a respiração. Fechei os olhos e vi que lá fora o mundo era apenas um ruído buscando a altura daquele quarto. Sorvi o vinho e percebi o corpo que carregava a séculos em meu tato, estava
à minha frente, tão bêbado quanto. Distante igual. E a anatomia tão cuidadosamente guardada em silêncios calara, já não fazia diferença alguma. Estampas no vestido, pétalas de algum lugar mas bem sei: se ela se despisse de tudo, ainda haveriam flores.

14 de dez. de 2011

Estava sentado à mesa, mas a memória remontava um percurso particular. Passeou o corredor vazio, a cama dada ao embaraço amanhecido do dia, a xícara morna e sem toque. No quintal, alcançou plantas que não vingam, nem morrem, mas como tudo que compõe a lembrança, padecem da mesma eternidade poente que há nas fotografias, nos livros, nas esperas. Por que esperar pode ser (não raro) a companhia de alguns dias, sabe-se, é uma das manias da saudade. Tão logo, desesperei as horas em rabiscos de um tempo sem data. Escrevi. Na língua, senti o gosto do café amadurecer. Fui ritmado por nuvens matutinas. Caí em tentações de ser anjo, pássaro, mosca. Prolonguei a vida num suspiro. Claridades opacas já não constrangiam as vistas.
Apesar de nublado, os olhos bem sabiam:
Não choveria.

12 de dez. de 2011

Tocar os chãos é costume de quem voa.

11 de dez. de 2011

Chuva precipitando-se externa e internamente. Desperto, julguei que a coceira em um dos olhos fosse a queixa do sono em não encarar a vidraça opaca da tarde. Vozes familiares compunham um repertório incompreensível e se misturavam ao que me restava de silêncio. Em todo o corpo a mão de uma voz bulia: "ecos devoram a carne"; saía de mim, mas, era minha aquela voz intestinal? imaginei que, no período medieval, monges acreditavam existir um órgão criador das palavras, verbo feito carne, etc...
divaguei labirínticas iluminuras e tudo o mais foi silêncio. Percorri afazeres domésticos, embrenhei selváticas entranhas pulmonares. Subitamente despertou outro fato: não sei ao certo se foram minutos ou séculos que se adormeceram em mim. No canto da boca, escorria pó.
O tempo passara por ali.

Havia santidade nos objetos.

10 de dez. de 2011

Fora de mim
O pó das coisas
Me eternizavam.
Padeci de um embaraço natural:
Cresci as horas,
Os silêncios,
A inércia...
Saudades capilares insistiam em vingar dos poros,
transmutando minha humanidade para um estado vegetal de planta esquecida na cadeira.
Pêlos púbicos queriam rastejar a pele de outra distância;
Nutrir-se em suor,
Trepar sadias e clássicas arquiteturas.
Porém, nada além da espera:
No chão, o barulho humoso e desnorteado daquela busca.

Compus um canteiro com meus nomes.
Sou bem capaz de flores...
Quantas ainda?

4 de dez. de 2011

Invento um tempo:
Imprecisão, cisão de mim entre as coisas.
Há uma xícara no que vejo, 
ou imagino ver?
Mas, que é que vejo? 
Que é essa coisa que transita entre a realidade objetal da xícara e esse outro lado que não é nada, mas que também nada traduz? 
A xícara para além da xícara! 
Fumaça inconclusa do querer dizer.
Desespero inanimado das coisas vistas e sentidas em sua intimidade inventada;
minha intimidade na aspereza  do mundo.
Que há nesse fundo?
Ah... querer é poder.
Mas não diz muito.