10 de jan. de 2012

Percebi hoje. Durante a chuva toda minha estrutura se diluía junto. Escorria até um reflexo borrado e úmido na calçada. Era uma aquarela lacrimal, cinza. E não por ser triste, mas belo, lembrei também que aquela cena era em nada física. Devaneio pluvial e sonoro da água caída na rua. Talvez o que nos reunisse fosse apenas a sobriedade solitária do quimérico e do vivido. Nada mais. Lembrança embotada de perfeições poéticas. Idílios. Lembrar, não raro, pulsa mais que a vida sentada do cotidiano, tão giratória em cadeiras, dores elevadas. Elevadores. Retalhos do corpo no espelho e no que vejo do corpo: um braço, mãos, pernas, pênis seguindo a extensão vertical de um tronco sem cabeça (por onde também pairam idéias invisíveis). Anatomia dada a fragmentos. Inveja primordial a de não nos vermos em totalidade, mas sermos vistos pelo outro, por quem queremos ser vistos da fisionomia aos pequenos gestos, manias, álibis do encanto... Mesmo essa voz ditada no socrático mundo das idéias me vem em sussurros, códigos, rasgos de um livro distante e incorpóreo. Dizem. Falam na precisão errante dos ventos, na mão de quem alimenta galinhas com punhados mirrados de milho. De grão em grão, etc, etc... Voz em surdina, nos interstícios da invenção. Na escrita. E tudo que compunha a biológica organização, lapidada pelos ciclos evolutivos calham agora numa existência coisificada. Meu corpo era qualquer objeto visto, tocado. Certamente xícara não mais teria esse nome. Chamar-se-ia dedos, mão. Meus sapatos chamar-se-iam meus pés. Minha língua, um livro.  Como em Magritte, tudo em mim tem essa impressão de ser um falso cachimbo usado pelo tempo.

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